Conversando sobre a África e o meio ambiente: a poesia contemporânea de Nsah Mala

NSAH MALA – é um jovem poeta, poliglota e proemiente contista anglófono da República de
Camarões (África Central). Alguns de seus contos e poemas foram publicados em jornais como:
The Kalahari Review, Tuck Magazine, Dissident Voice e Antologias como Best – New African
Poets 2017/2018.

  1. 1. Zélia Bora (ZB): Como leitor brasileira, gostaria de enfatizar que apesar das várias diferenças entre as culturas africanas, pode-se notar em suas representações poéticas as tensões sociais e políticas no continente africano e fora dele. Isso está claramente expresso em sua primeira coleção de poesias, ChainingFreedom(2012) através do poema: “No One’sfriend”(Amigo de ninguém):

Mordes como um cachorro louco

E curas como bálsamo essencial.

Te ouço no Afeganistão: boom, boom, boom …

Boom, boom, boom … na Síria. Boom BoomBoom…

Em Trípoli, tu destronaste

E em Ngolalevas ao trono.

Armas as bombas e explodes as armas;

O terror se espalha imbatível e sem controle.

Você pode comentar esta afirmação em termos de valores locais versus universais? Como essa pressuposição caracteriza o seu projeto poético?

Nsah Mala (NM): Este poema em particular é sobre armas de guerra, especificamente armas e bombas. A guerra, ou melhor ainda, essas armas de guerra, destroem a humanidade em todo o mundo, sem distinção. Assim, a guerra é simultaneamente local e global. Podemos até dizer que a guerra desafia a categorização dicotômica de local versus universal em sua destruição. Em outras partes da minha poesia, às vezes eu exploro o local, às vezes eu exploro questões universais. Mas essas questões geralmente estão entrelaçadas de uma maneira ou de outra. E isso faz mais sentido quando lembramos que a raça humana é a mesma, apesar de algumas diferenças culturais fundamentais aqui e ali. E também considerando que, na era das mudanças climáticas e do colapso ecológico, somos lembrados pela interconectividade com natureza em todas as suas formas.

2.(ZB): No que se refere à relação entre as guerras e as insurreições na África, especialmente em seu país natal, Camarões, você pode nos dizer como esses conflitosafetam as vidas humanas e não humanas? Como está a situação específica de Mbesa, sua cidade natal?

(NM)No passado, Camarões dificilmente era destacado como um país em guerra (pelo menos desde o meu nascimento no final dos anos 80), exceto por alguns conflitos intertribais ocasionais, geralmente causados ​​por disputas de terras na região noroeste. Infelizmente, eu venho da comunidade Mbesa, que foi vítima de agressão sofrida- uma vila fraterna chamada Oku em muitas ocasiões. Nesses conflitos, houve algumas perdas na vida humana em ambos os lados, mas houve uma enorme destruição material exclusivamente em Mbesa, quado os agressores atacaram a região de Mbesa. De 2007 a 2008, por exemplo, os agressores do Oku queimaram mais de trezentas casas em Mbesa como um ato de guerra. Felizmente, entre 2016 e 2017, essas duas comunidades fraternas decidiram enterrar as disputaspela terra e se reconciliarem. Mas, repentinamente, ressurgiu o problemaanglófono, remetendoao passado de Camarões, sob forma de protestos sindicais organizados por advogados e professores anglófonos no final de 2016 seguida da repressão violenta do governo central dominado pelos francófonos.  O conflito logo transformou-se em uma guerra civil sangrenta que atualmente está devastando as comunidades anglófonas minoritárias em Camarões, sobretudo em regiões conhecidas como Noroeste e Sudoeste, correspondendo ao antigo Território da Confiança das Nações Unidas nos Camarões do Sul Britânicos.Alguns jovens anglófonos pegaram em armas para defenderem suas comunidades e lutam para restaurar a independência dos antigos Camarões do Sul britânicos em um novo país que eles chamam de Ambazonia. No momento desta entrevista, milhares de anglófonos foram seqüestrados pelo regime francófono em Yaoundé e encarcerados em várias prisões do país, mais de cinquenta mil refugiados anglófonos fugiram para a vizinha Nigéria, milhões de anglófonos foram deslocados internamente na Nigéria. Em Camarões, milhões de crianças anglófonas estão fora das escolas, milhares de civis anglófonos e centenas de forças estatais foram mortas, enquanto mais de 200 aldeias anglófonas foram queimadas por forças estatais. Nas guerras intertribais que mencionei anteriormente e na atual guerra civil mortal nos Camarões Anglófonos, vidas humanas foram perdidas e muitas propriedades destruídas. Curiosamente, as propriedades humanas incluem muitos seres nãohumanos, como gado e plantas. As colheitas de alimentos são muitas vezes cortadas enquanto animais como porcos, cabras, aves e gado foram massacrados ou mortos a tiros por agressores raivosos, não apenas pelos combatentes Oku em Mbesa, no passado, mas de forma mais alarmante pelas forças estatais na atual guerra civil sem sentido nos Camarões Anglófonos. Sob tais circunstâncias,mesmo os projetos que estavam sendo realizandospara conservação da natureza e a proteção ambiental foram interrompidos ou afetados, especialmente porque agora mais atenção é direcionada à assistência humanitária às vítimas da guerra. Portanto, seja em Mbesa ou Camarões ou em qualquer outro lugar do mundo, a guerra é inimiga da ecologia e da natureza – destrói humanos e não humanos que compõem a natureza. E devemos evitar a todo custo a guerra, inclusive, o mais importante, a descontinuação da produção e proliferação de armas em todo o mundo.A pior hipocrisia do mundo é que os humanos continuam produzindo e vendendo armas, mas querem viver em paz! Absurdo, não é?

 

  1. ZB: Outra característica importante da sua poesia é ainter-relação entre identidade, memória e meio ambiente. Essas tendências são encontradas especialmente em poemas como, “The Environment, My Home”(O meio ambiente, minha casa), “Aging Climate” (O Envelhecimento doClima) e “Friends of Forests”(Amigos das Florestas), todos do livro, Chaining Freedom (2012). Você pode nos explicar como você reconcilia esses elementos esteticamente?

 

NM: Identidade, memória e ambiente estão intrinsecamente inter-relacionados. Nós, como seres humanos, podemos apenas nos identificar ou nos definirmos em relação a outras espécies e seres com os quais compartilhamos a terra. Nossas ações na Terra estão espalhadas ao longo do tempo oferecendo sempre oportunidades de lembrar, ou melhor ainda,  fazermos uma introspecção. Devido ao reconhecido poder incomparável da natureza e do meio ambiente nos dias de hoje, a lembrança e a memória transcendem o reino humano para incluir outras formas de seres na Terra. Consequentemente, é lógico e natural que eu me envolva com essas e outras questões do ponto de vista estetico e temático. Portanto, enquanto escrevo meus poemas, luto para alcançar um valor estético não apenas do ponto de vista da linguagem, mas também para representar os seres e espécies sobre os quais escrevi. Às vezes, esse esforço de reconciliação é desafiador, mas também é necessário e até obrigatório hoje, à medida em que as temperaturas aumentam, as camadas de gelo desaparecem nos oceanos e as árvores são assassinadas enquanto muitos animais e insetos são extintos.

  1. ZB:Emsua segunda produção Bites of Insanity (2015) (Pedaços de Insanidade), para mim, seu perfil como poeta ecocrítico de sucesso já é previsível. Charles Ngiewih Teke (da Universidade de Munique – 2014) diz que seu livro “é uma coleção brilhantemente escrita de cinquenta e sete poemas que representam uma degradação psicossomática, psicossocial e ecológica sobre sociedade do poeta”. Ainda sobre a recepção crítica de sua poesia na Europa, diga-nos quais são as dificuldades dos jovens poetas para superarem as fronteiras da cultura e da sociedade fora dos círculos intelectuais europeus e norte-americanos? Como alcançar o equilíbrio entre local e universal? Quão favorável é a ecocrítica como método para fornecer essa vantagem ao seu projeto artístico? Sua quarta coleção de poesias é intitulada Constimocrazy:Malafricanizing Democracy (2017). Como você pode descrever esta obra? Como o local e o universal são introduzidos por meio dela? Você tem algum projeto em andamento? Como é observar a África à distância? Que mensagem você tem para os leitores da América Latina e principalmente do Brasil?

NM: Fico feliz em ouvir de um estudioso da literatura como você que estou me tornando um eco-poeta “bem-sucedido”!. Do exposto,vale a pena notar que Charles Ngiewih Teke, PhD, na verdade vem dos Camarões Anglófonos, onde atualmente é Professor Associado e Vice-Reitor, encarregado de Assuntos Acadêmicos da Universidade de Buea.Na época em que escreveu o prefácio de Bites of Insanity, ele era pesquisador visitante Marie Curie na Universidade de Munique, na Alemanha.Dito isto, a recepção crítica sobre a minha poesia em geral tornou-se bastante encorajadora, pelo menos para mim, dada as dificuldade que se tem emcriar impacto ou propagar o nome por meio da poesia. A partir de Camarões, minha terra natal, algumas de minhas coleções de poesia tornaram-se objeto de pesquisas de pós-graduação em instituições nacionais respeitáveis, como a Universidade de Yaoundé e a École Normale Supérieure de Yaoundé – ambas minhas almas gêmeas. Na Europa, houve algumas pesquisas sobre Chaning Freedomna Universidade de Munique e fico feliz em saber que a maioria de meus livros foi adquirida por instituições europeias como a Universidade de Leiden, na Holanda, e a Universidade de St Andrews, no Reino Unido,como alguns exemplos. Muitas universidades norte-americanas têm minhas coleções em seus catálogos, embora eu não possa dizer quanta pesquisa está sendo realizada sobre elas. Nas bibliotecas da Ásia também.. Alguns estudiosos dos Estados Unidos, como Oscar Labang, PhD, e Irmagard A. Langmia, ambos de origem camaronesa, também publicaram ensaios sobre aminha poesia. Quanto às dificuldades para jovens poetas fora da Europa e da América do Norte, o acesso a bons canais de publicação para mim é uma prioridade.  No norte global, existem inúmeros editores de renome com recursos suficientes para uma distribuição mais ampla. Isso não é frequentemente no caso no sul global. Porém, jovens escritores da última região podem aproveitar as inovações tecnológicas, especialmente a Internet, para promoverem seus escritos globalmente e romper os limites da cultura e da sociedade que você acabou de mencionar. Com a internet, modos alternativos de publicação e divulgação estão em ascensão. Além disso, jovens escritores, especialmente os do Sul global, podem criar fortes presenças on-line, o que pode ajudar alguns a encontrar editores em qualquer lugar do mundo. Portanto, eles devem permanecer esperançosos e continuar a escrever!

Quanto a como alcançar o equilíbrio entre o local e o universal, acho que já falei disso em respostas anteriores. Não obstante, devo acrescentar que, uma vez que você se percebe que não está isolado, mas em conexão com outros seres no planeta Terra, você pode facilmente abordar questões locais e universais como escritor. Às vezes conscientemente. Às vezes sem saber. Além disso, há casos em que o local deve ser enfatizado, especialmente em situações em que se percebe algumas formas de marginalização de práticas e sistemas locais. É o caso da valorização de algumas práticas culturais africanas, camaronesas e Mbesa e sistemas de conhecimento indígenas em meus trabalhos, principalmente a proteção ambiental. É aqui que a ecocritica aparece como método, teoria, conceito e até movimento que aborda questões locais e universais.Minha quarta coleção, Constimocrazy: Malafricanising Democracy (2017), assim como minhas outras obras, aborda muitas questões, com foco especial sobre os abusos da democracia na África. Especificamente, desdenha das crescentes mutilações, ou modificações crônicas, das constituições de ditadores estéreis que se apegam ao poder no continente africano. Mas também abordo questões como a corrupção, a guerra, o extremismo violento e respeito à natureza. Voltando à democracia, esse fenômeno é local e universal em sua aplicação. E devo esclarecer esse ponto. A democracia é local no sentido de que pode e deve ser adaptada às realidades locais ou de países específicos, mas é universal no sentido de que possui alguns princípios universalmente aceitos, como representação efetiva do povo, divisão real de poder e espaço para poder trocar de mãos de maneira transparente e pacífica. É especialmente no último princípio – a transferência transparente e pacífica de poder – que muitos países africanos estão se tornando cada vez mais um caos. Uma vez que os limites de mandatos são retirados das constituições para que os ditadores improdutivos se apegem e morram no poder, não haverá transferência de poder pacífica e transparente, exceto por meio de golpes de Estado! Os países africanos que removem os limites constitucionais dos termos passam, portanto, de praticar a democracia e impoem um novo sistema que chamei constimocrazy – democracia de modificação constitucional!

Como já disse em outros lugares, os escritores são como cobaias – sempre grávidas do próximo projeto. Minha primeira coleção de poesia em francês, Les Pleurs du mal, foi lançadapor Spears MediaPress, em setembro de 2019.  Agora são cinco livros em inglês e francês. Dois outros lançamentos, um em inglês e outro em francês, estão a caminho e eu estou editando um coleção bilíngue sobre a guerra na parte anglofônica de Camarões. Nesse meio tempo, começei tambem a escrever livros para ciranças. Ainda estou procurando editores.  Observar a casa de origem, não apenas a África, à distância é um exercício muito interessante, que muitas vezes é acompanhado de nostalgia e descoberta. Eu gostaria de explicar a parte da descoberta. Quanto mais observo sobre a África à distância, mais descubro seus tesouros, riquezas e potenciais que são mexidos por governantes incompetentes, por ditadores estéreis e seus bajuladores. Quanto mais escrevo mais sinto detentor de pan-africanismo, contribuindo através da minha escrita e de qualquer outro meio apropriado, para melhorar a situação do continente onde meu umbigo respira sob bananeiras!

Aos meus leitores latino-americanos e brasileiros, gostaria de agradecer antecipadamente por ler minha poesia e outros escritos. Além da herança africana que compartilho com muitos de vocês, também compartilhamos este planeta Terra juntos. Por esse motivo, gostaria de expressar o seguinte argumento: Enquanto lutamos para preservar a Bacia do Congo na África, você deve continuar contribindo  através da boa luta para preservar a Bacia Amazônica na América Latina. Como Han de Groot declarou na Scientific America, “a melhor tecnologia para combater as mudanças climáticas não é uma tecnologia”. São nossas florestas, e devo acrescentar, com nossos maravilhosos amigos das florestas – as árvores!

  1. ZB: Algumas considerações finais?

NM: Muito obrigado, Zelia Bora, por me entrevistar como poeta. Obrigado por promover minha obra na América Latina e Brazil. Que minha poesia possa aquecer a terra e curar a terra para o bem daqueles que nela habitam. 

 

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