Apresentação RILE V

  • Zélia Bora

Resumo

No momento em que estamos publicando nosso quinto número, estamos vivendo um período de redefinicão de nossas atividades intelectuais, ainda ocasionada pela disseminação da COVID 19 na maior parte do mundo. Muito ainda se falará sobre o fato e, sobretudo, viveremos meses sob o impacto dessa inominável ocorrência de proporções avassaladoras. Tanto do ponto de vista factual, devido ao número de corpos que se alastram em todas as Américas e no resto do mundo, quanto do ponto de vista psicológico, fomos todos impactados. Do ponto de vista psicológico, os vivos, recolhidos em sua própria solidão, passaram a ruminar seus temores sob a ameaça de outro invisível que chama a humanidade à razão, de forma inconteste, sobre nossa relação com o meio ambiente. Enquanto isso, o tempo urge para todos os que encontraram nas ocorrências intelectuais um refúgio. Assim, enquanto buscamos o conforto das palavras, solidarizamo-nos com pesar, em nome da memória dos mortos, e com todos os que perderam amigos e ente queridos. Afinal, a vida nada mais é do que uma somatória de eventos surpreendentes de cunho existencial, entre os quais, ou ganhamos ou perdemos, até que seja consumada nossa trajetória no planeta.  Nesse intermezzo, situam-se as palavras proferidas ou escritas das quais somos artífices. Sempre vivemos na esperança das boas mensagens, sobretudo, as que nos levem a uma permanente avaliação de nós mesmos e de nossas ações, com ações que poderão nos transformar em seres melhores. Novas narrativas e discussões surgiram e surgirão. Dentre elas, já neste número, privilegiamos a introdução do tema ‘pandemia’, como são os artigos de Fritoj Capra, cuja excelência e atualidade são indiscutíveis, e a leitura do conto de Edgar Allan Poe, ‘The Mask of the Red Death’ (1846), relembrada de forma oportuna, nesse momento, de acordo com a perspectiva de Sueli Liebig. A leitura de Animesh Roy sobre o romance de Robert Barclay Melal responde criticamente ao desafio proposto pelo romance, ao trazer para o público referências ligadas à crítica pós-colonial sobre a ficcionalização de fatos pouco discutidos hoje, como as incursões militares criminosas do ponto de vista ambiental perpetradas nos anos 50, em Bikini Atoll, nas ilhas Marshall, no Oceano Pacífico, pelos Estados Unidos.

            O texto provocante de Patrícia Vieira reúne, por meio de uma leitura criteriosa, o tema ‘Amazônia’, através do cinema, sob o olhar de diretores nacionais e internacionais. O texto demonstra a habitual e venturosa correlação entre a literatura e o cinema, especialmente privilegiando aspectos ligados ao ecocinema. Ronilson Lopes e Heloísa Correira defendem, em seu texto, a curiosa hipótese em que demonstram que o exercício do antropocentrismo textual sobre os sujeitos orgânicos é predominante por narradores em primeira pessoa, como dinâmica textual, especialmente no romance Des/encontro do escritor (2011) de João Uilson Vieira. Suênio Stevenson discute, em linhas gerais, sobre os impasses criados pelo termo ecocrítico no contexto brasileiro, especialmente quando o propõe como uma “inovação” metodológica, do ponto de vista do sujeito, em uma categoria denominada de ‘narrative scholarship’, utilizado pela Academia anglo-saxã, para legitimar um relato com uma “linguagem aparentemente subjetiva da narração, para revelar uma experiência humana compartilhada de ideias, textos, realidades sociais e o mundo físico”. Concluindo a proposta para este número, Juarez Lins propõe um estudo da relação entre o ser humano e o meio ambiente, no poema ‘Pregão Turístico do Recife’, de João Cabral de Melo Neto. Na presente proposta, Juarez nomeia o texto como portador de elementos ideais não só estéticos mas também éticos, capazes de colaborar positivamente para “formar sujeitos conscientes, que compreendam o valor da participação na mudança e a necessidade de reconstruir posturas ambientais”. Desse modo, ele demonstra que questões ambientais sempre estiveram presentes nas letras nacionais como uma prioridade dos nossos modernistas tradicionais.

 

                                    Zélia M.Bora               

Publicado
2020-07-07