O Selvagem na Cidade: "Rendezvous", de Thomas King,

e a Experiência de Ser Invadido Quando se é Invasor

  • Melina Pereira Savi
Palavras-chave: Thomas King; Ailton Krenak; ecocriticism; human exceptionalism; Anthropocene.

Resumo

No conto “Rendezvous”, o autor cherokee-americano Thomas King (2005) imagina uma cidade canadense (não nomeada) para onde se mudam animais selvagens. Para a incredulidade dos habitantes humanos, animais passam a tomar conta das ruas, dos espaços públicos, dos jardins particulares e dos sótãos. Ao perderem seus habitats como consequência dos incansáveis avanços humanos nas florestas em nome do “progresso”, alces, onças-pardas, búfalos, entre outros animais, interrompem o fluxo “natural” da cidade com sua chegada súbita. O conto evidencia o relacionamento artificial e idealizado que populações urbanas e de classe média ocidentais vêm desenvolvendo com a natureza. “Lá fora”, onde “deve” estar, o mundo selvagem tem seu papel como sítio de contemplação e gozo, mas o selvagem não é bem-vindo na cidade. O exercício imaginativo que King propõe em “Rendezvous” pode nos levar a questionar o seguinte: já que é tão impensável ter animais selvagens invadindo a cidade, como será que os animais se sentem quando o humano invade e derruba seus mundos para a construção de clubes de golfe, hotéis de luxo e empreitadas afins? A inversão ontológica que King propõe é amplamente discutida por Ailton Krenak em seus dois livros Ideias para adiar o fim do mundo (2019) e A vida não é útil (2020), ambos da Companhia das Letras. Krenak compreende que o excepcionalismo humano, ou a ideia ocidental do que significa ser humano (que é não ser não humano), está no cerne da falsa ideia que nos leva entender que as nossas vidas não estão inextricavelmente conectadas ao mundo natural e ao mundo não humano. Neste artigo, pretendo ler a revisão ontológica de Krenak ao lado do conto de King para explorar como estes dois autores contribuem para as crescentes discussões sobre o excepcionalismo humano dentro do contexto do Antropoceno e dos desdobramentos que esta época geológica, marcada pelas ações humanas nos sistemas biofísicos da Terra, implicam.

 

Referências

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FELIPE, Sônia Teresinha. A perspectiva ecoanimalista feminista antiespecista. Estudos Feministas e de Gênero: Articulações e Perspectivas. Florianópolis: Editora Mulheres, 2014.

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KING, Thomas. Rendezvous. A short history of Indians in Canada. Minneapolis: University of Minnesota Press, 2013.

KING, Thomas. The Truth About Stories: A Native Narrative. Toronto: Anansi, 2003.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2019.

KRENAK, Ailton. A vida não é útil. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

LATOUR, Bruno. Facing Gaia: Eight Lectures on the New Climatic Regime. Cambridge: Polity Press, 2017.
Publicado
2022-01-15