De Animais e de Homens:

Uma Leitura do Conto, "O Leproso" de Miguel Torga

  • Naira Almeida Nascimento
Palavras-chave: Miguel Torga; “The leper”; critical animal studies; biopolitics; necropolitics

Resumo

O movimento conhecido como virada animal vem construindo dispositivos para que se repense o conceito de humanismo enquanto um argumento despótico na relação com os outros seres viventes. A concepção cartesiana que relegou os animais ao posto de autômatos, desprovidos de profundidade, imperou na cultura ocidental, ganhando maior impulso desde a modernidade, ao passo que legitimou uma relação servil do animal não-humano frente ao humano. O poder de dispor do corpo não-humano como fonte de consumo, assim como fonte de mero prazer vem norteando a perspectiva do antropoceno até os nossos dias, ou seja, um mundo construído de acordo com os interesses primeiros do humano. A partir da análise de um conto do escritor português Miguel Torga, “O leproso”, do livro Novos contos da montanha (1944), pretende-se demonstrar como a segmentação entre animais humanos e não-humanos obedeceu a uma lógica interna que também tornava os humanos como outros, fora do pacto civilizacional, a depender de seu estatuto, em particular o econômico, como se vêm demonstrando no âmbito da biopolítica e da necropolítica. Com o apoio dos estudos de Michel Foucault reunidos no volume Os anormais, conclui-se que a categoria de “monstro” atende aos interesses da estigmatização de humanos na aproximação que ela tece com o animalesco. Como resultado, acreditamos que o desvendamento de tais conversões, figuradas na ficção, possam contribuir na perspectiva de uma nova atitude frente aos viventes.

Referências

ANIDO, Nayade. Miguel Torga e a “recusa do divino”. In: Revista Colóquio Letras. Lisboa, n. 24, mar. 1975, p. 31-40.

BÍBLIA SAGRADA. 50. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2005.

FOUCAULT, Michel. Os anormais: curso no Collège de France (1974-1975). Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

FREUD, Sigmund. O mal-estar na civilização. Trad. Paulo César de Souza. São Paulo: Penguin Classics Companhia das Letras, 2011.

LOPES, Teresa Rita. Ao princípio era a terra – a (des?) propósito do teatro de Torga. In: Revista Colóquio Letras. Lisboa, n. 43, mai. 1978, p. 51-61.

SONTAG, Susan. A doença como metáfora. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

TORGA, Miguel. Novos contos da montanha. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1996.
Publicado
2022-06-01