Jornalismo, guerra e ativismo animal: entrevista com Diana Darke e Alaa Aljaleel (O homem dos gatos de Aleppo)

Sobre Alaa Aljaleel 

Alaa Aljaleel também conhecido como “o homem dos gatos de Aleppo”, é provavelmente o mais famoso resgatador de animais e ativista da causa animal hoje. Ele também presta serviços de voluntariado para ao resgate de pessoas como motorista de ambulância e paramédico, na guerra civil na Siria. Alaa iniciou seu trabalho resgatando animais abandonados em 2013. Em 2015, ele fundou o Santuário Ernesto ou A casa de Ernesto, nome do primeiro gato resgatadona linha de fogo. Ele é co-autor do livro The LastSanctury in Aleppo (O Último Santuário de Aleppo). Referências ao trabalho de Alaa apareceu na NBC News, Daily Beast e BBC News.

 

Alaa Aljaleel

 

Sobre Diana Darke 

Diana Darke é escritora e especialista em culturas árabes do Oriente Médio e especialista em Syria. Ela é também jornalista e correspondente da BBC. Seu trabalho já foi publicado em jornais de grande reputação como, The Guardian, The Financial Times, The Dayly Telegraph e Al Araby. Ela é também autora de My House in Damascus (Minha casa em Damascus –ainda sem tradução para língua portuguesa); The Merchant ofSyria (O Mercador da Síria), e co-autora de The Last Sanctuary in Aleppo (O Último Santuário em Aleppo).

 

Diana Darke

1. Entrevistadora Zélia Bora: Em primeiro lugar, quero agradecer a Diana e a Alaa Aljaleel por publicarem, em 2019, The Last Sanctuary in Aleppo (O Último Santuário em Aleppo). Em minha opinião o livro é uma das mais impressionantes narrativas jornalísticas sobre a guerra na Síriana perspectiva de um civil. É também a primeira narrativa em inglês sobre o conflito que reúne jornalismo, biografia e ativismo animal. O livro também representa um profundo senso de verdade, análise crítica e opinião honesta em relação à política imoral e cruel da guerra, bem como às distorções dos valores religiosos e culturais. Com relação a essa história fabulosa de resistência, amor e compaixão pelos animais e também pessoas, gostaria de saber como você conheceu Alaa Aljaleel e por que decidiu ser coautora de sua história e, principalmente, de seu trabalho de resgate de animais e pessoas durante a guerra na Síria.

Entrevistada DianaDarke: O que é extraordinário sobre este livro é que nunca encontrei Alaa pessoalmente.Isso não foi possível por causa de onde ele está na Síria, dentro do território controlado pelos rebeldes, onde estrangeiros não podem entrar legalmente. A menos que as circunstâncias políticas mudem, talvez eu nunca consiga encontrá-lo. Mas percebi que a história dele era muito importante e que poderia contribuir para uma perspectiva singular e não política de uma pessoa comum envolvida na guerra. Minha esperança é que, por causa do foco sobre os animais, um público diferente e mais amplo seja atraído para a questão da Síria. É por isso que decidi aceitar quando os editores meprocuraram para escrever esta história. Eles me escolheram, porque gostaram de My House in Damasco (Minha Casa em Damasco)o livro que escrevi em 2016, e queriam uma autora britânica de fala árabe com certa compreensão da sociedade e cultura da Síria.A única maneira de contar sua história para o mundo foi através do uso de tecnologia: WhatsApp e gravações de voz, para que Alaa pudesse responder às minhas perguntas. Eu pedi a dois amigos sírios de confiança, RaidaMukarked e AmmarHasan (que são casados), para me ajudarem com isso, como está explicitado nos agradecimentos do livro. Tanto quanto sei, esta é a primeira vez que um livro foi escrito (em inglês)[1], dando voz a alguém que ainda está dentro da Síria.

Z: Diana, é muito claro para mim que seu livro excedeu os limites de seu próprio gênero (jornalismo impresso engajado) para ser definido como uma narrativa poderosa na qual memória, história, biografia e ativismo animal estão magistralmente inter-relacionados. Levando-se em consideração esses temas essenciais tão bem introduzidos, pode-se inferir que eles sustentam a base da narrativa: amor e compaixão pelos animais. Também é importante enfatizar que Alaa é um homem que incorpora um verdadeiro senso de moralidade humana e alteridade. Você pode nos dizer, na sua opinião, como Alaapode alcançar um equilíbrio entre o ativismo pacífico e o dever moral para com o Outro (animais e humanos)? Em outras palavras, como você descreveria o equilíbrio de Alaa entre o amor pelos animais, as necessidades humanas e a preservação dos mais altos valores morais, como integridade de caráter e coragem? 

D: Concordo que Alaa tem um equilíbrio maravilhoso entre o ativismo pacífico e o dever moral para com o Outro. Na verdade, de acordo com minha experiência, muitos sírios têm esse equilíbrio naturalmente – a maioria são pessoas altamente compassivas, com um profundo senso de comunidade, algo que nós no Ocidente frequentemente ignoramos. Ele é diferente por estender essa alteridade aos animais. É raro no mundo árabe colocar a compaixão pelos animais em pé de igualdade com a compaixão pelos humanos, mas Alaa sente isso instintivamente, por causa de sua própria educação; ele foi encorajado a pensar dessa maneira. É por isso que ele está tão ansioso em realizar cursos para a conscientização das crianças para que eles possam aprender este conceito de alteridade. Ele acredita que a sociedade será beneficiada se todas as pessoas puderem compartilhar essa compaixão pelos Outros, sejam eles humanos ou animais, e ele quer fazer o máximo para contribuir com essa mudança.

 

 

Z: Minhas questões agora serão direcionadas para Alaa particularmente. Para mim, e eu acredito para muitos outros que lerão seu livro, sua história é uma inspiração, especialmente, para aqueles que são ativistas da causa animal e se sentem moralmente responsáveis. Há muitas passagens em seu livro que direcionam o leitor a abraçar valores como altruísmo, empatia, amor e compaixão pelos animais e crianças. Entre essas passagens, duas chamaram minha atenção, a epígrafe: “Minha tristeza terminará quando eu encontrar companhia em um gato” (p.96) e “animais e crianças são perdedores nesta guerra” (p.112). Você pode comentar estas passagens? Você pode nos dizer também como a criação do Santuário Ernesto reflete sua política pela vida, sobrevivência e tolerância em relação à diversidade e, acima de tudo, o amor e respeito pelos companheiros animais?

Entrevistado Alaa Aljaleel: No final de cada dia depois de terminar meu trabalho de resgate e depois de testemunhar tanto sofrimento, é sempre um alívio para mim sentar com meus gatos e brincar com eles. Isso me ajudou a lidar com minha tristeza e minha dor. Eu me sentia muito confortável na “casa dos gatos” que eu fundei, ou com minha gata em casa. Eu sentava e brincava com ela. Eu me sentia mais confortável com meus gatos. Eu me livro da tristeza e da dor quando estou com esses animais. Pelo meu interesse nas crianças e animais, eu sei que eles são os únicos perdedores nessa guerra, porque são os únicos inocentes. Se nós adultos, não podemos fazer nada por eles, não em palavras, mas ações, eles são os únicos perdedores nessa guerra e eles precisam de nós. Essas crianças e animais precisam da ajuda dos adultos, para tomar conta delas, especialmente as crianças órfãs, que perderam suas mães e pais.Gosto de tomar contas de filhotes e de crianças; gatos e crianças são semelhantes. Ambos são órfãos. Há alguns gatos que nascem nas ruas e são deixados pelas suas mães que fogem ou escapam dos bombardeios, porque elas não têm casas, assim suas crianças moram nas ruas. Dessa forma eu amo resgatar esses filhotes e tomar conta deles, como também das crianças que precisam de nossa ajuda. Quanto a mim, sou feliz quando ajudo crianças e gatos. Sobre o Santuário Ernesto, em Aleppo, eu fundei esse Santuário, o primeiro da Síria, Gostei da ideia para fazer com que as crianças aprendam sobre esses animais que precisam de nossa ajuda, esse foi o primeiro objetivo do Santuário. O segundo foi tomar conta dos filhotes abandonados que foram deixados, ou foram abandonados pelos seus donos que deixaram o país, nós os resgatamos e os colocamos nesse local. Gostei de organizar esse local como um refúgio para gatos e assim poder deixar as crianças saberem sobre esses animais assim como eu tomo conta dessas crianças e as ajudo a qualquer momento. Foi um grande desafio durante a guerra. Quando comecei a ajudar esses animais em minha casa, ela foi bombardeada. Assim, fui ajudar pessoas e voltava para ajudar os gatos e continuar a alimentá-los. Quando eu fazia festas para as crianças e levava brinquedos da terra, eu ia também a locais bombardeados para ajudar os gatos e voltava para ajudar as crianças. A casa dos gatos foi fundada em um período muito difícil. Naquele momento era impossível fazer qualquer coisa Ninguém podia fazer nada exceto escapar e ir embora do país. Eu ao contrário, sempre amei fazer meu trabalho nas mais difíceis circunstâncias. Queria fazer alguma coisa pelo meu país, crianças e animais.

 

 

Z: Alaa, em termos de ideias, pode-se entender que, em seu livro, há um profundo sentimento de decepção em relação à política e à religião. Essas ideias são expressas pelas seguintes citações: “Antes da guerra eu era apenas normal quando se tratava de religião. Mas depois da guerra eu me distanciei da religião” e também, “Eu sou religioso à minha maneira, que é apenas entre mim e Deus” (p. 260). Sobre política, você diz: “Eles são muito inteligentes no modo como distorcem as coisas em conjunto com os russos. Até mesmo o santuário de gatos tem sido usado como parte dessa propaganda” (p. 260-1) e, “Não há plano de paz nem reconciliação. Cabe a nós fazer nossa própria reconciliação” (p. 263). Você pode comentar?

A: Minha ligação religiosa sempre foi muito forte e não diminuiu depois da revolução, mas é difícil fingir que eu era religioso porque as pessoas que mostravam que eram religiosas, eram pessoas ruins. Elas mostravam ser religiosas e conhecedoras da religião. Eu me afastei um pouco. Sei da minha religião e que ninguém pode impor minha religião sobre mim.Conheço minha religião e o Alcorão e as tradições islâmicas do profeta Alaa Muhammad, dessa forma, não preciso de ninguém para me explicar minha religião. As pessoas associam religiosidade a extremismo. Me afastei desta perspectiva e desse modo me afastei da “religião”[2]. Havia pessoas que não conheciam a religião, mas falavam sobre ela. Me surpreendi que eles usavam a religião para intimidarem pessoas. Eu sei o que devo fazer pela minha religião. Sei das minhas obrigações. Estudei minha religião muito, associada a meu trabalho. O Islamismo me diz que meu trabalho deve ser nobre e bom para com todas as pessoas, crianças e animais, ajudando os órfãos. Eu oro e sei como praticá-la. Não preciso de ninguém que finge que é religioso e quer me ensinar religião. Sei como lidar com essas pessoas e como me comportar sem precisar que ninguém me ensine. Minha ligação com Deus é direta. Não preciso de mediador. Essas pessoas extremistas estão tentando impor alguns assuntos sobre a religião de forma incorreta.A maior parte de minha crença é meu trabalho. Graças a Deus, que me dá poder para eu continuar. Depois da queda de Aleppo[3], os russos disseram que eu retornei a Aleppo depois que o regime passou a controlar. Porém, eu não retornei a Aleppo. Eu vivo no campo (fora da cidade)[4]. Os russos tentaram usar a casa dos gatos (O Santuário)[5], para promover o regime. Eles disseram que: “o homem dos gatos de Aleppo voltou ao seu trabalho no santuário depois que o exército[6] entrou em Aleppo para ajudar animais e pessoas”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS (Diana Darke, sobre Alaa Aljaleel)

 Ficou claro para mim ao longo do curso de produção deste livro e no processo de conhecer Alaa que ele é uma pessoa maravilhosa e carismática com um profundo senso de dever para com as crianças e animais que ele mantém “sob suas asas”[7].   O que mais me surpreendeu e me impressionou em suas respostas às minhas perguntas foi sua capacidade de pensar profundamente, quase como um filósofo, sobre os problemas que ele experimentou dentro de seu país. Perguntei-lhe sobre como ele acha que a guerra transformou a sociedade e se a guerra também mudou sua opinião sobre a religião, e fiquei muito feliz por ele ter sido capaz de responder de forma tão completa. Produzir o livro juntos, com a ajuda de Raida e Ammar, tem sido um maravilhoso esforço colaborativo, baseado na confiança.

 

[1] Acréscimo do tradutor. Os títulos dos livros estão em inglês porque os textos,até o presente momento, não foram traduzidos para a língua portuguesa.

[2] Ênfase do tradutor sobre a palavra religião.

[3] Acréscimo do tradutor.

[4] Fora da cidade (acréscimo do tradutor). 

[5] O santuário (acréscimo do tradutor).

[6] Tropas do exército ligadas ao presidente Bashar Hafez al Assad.

[7] Expressão em destaque pelo tradutor.

 

 

Tradução para Língua Portuguesa/Translation to portugese language: 

Revisão do texto em português/ Review of the text in Portuguese: 

    Ivana Peixoto da Franca (Universidade Federal da Paraíba) 

Evely Libanori   (Universidade Estadual do Paraná)

Equipe ASLE-Brasil para essa entrevista/ ASLE-Brasil team to this interview: 

Antonio Felipe B. Neto – Suporte Técnico/Technical support (Universidade Federal da Paraíba) 

Willian Dolbert (Universidade Federal do Paraná)

Yuri Molinary (Universidade Federal do Paraná)

Zélia M. Bora( Universidade Federal da Paraíba)

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *